UNIVERSIDADE DA MADEIRA |
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Sextas Astrónomicas |
Sexta-feira Astronómica - 12
Data: 01-03-2008
Assunto: O futuro do Sistema Solar
A Sexta Astronómica número 12 começou no Sábado dia 1 de Março de 2008, como de costume com o encontro à porta da UMa pelas 20h. Foi uma noite de vários recordes! E de coisas diferentes. A primeira foi logo a alteração da hora do jantar de forma a participar na iniciativa mundial “Globe at Night” – GaN. Assim, em vez de irmos logo jantar, e uma vez que as regras do GaN recomendam que as observações sejam feitas cerca de uma hora depois do pôr do Sol (nesse dia isto aconteceu pelas 19h) e o céu estava limpo, começamos logo por nos dirigir para o terraço da UMa. Fizemos as observações de Orion conforme as instruções do projecto e concluímos que a grandeza limite (dentro de uma unidade) era de 5. Surpreendentemente bom! Estas observações serão enviadas para o registo oficial do GaN. Antes de subirmos para o terraço o Sandro apanhou um espectacular enquadramento de Orion com a UMa (Figura 1).
Figura 1: Orion sobre o edifício da UMa-Penteada – entrada principal. Foi utilizada uma máquina digital SLR da Canon, modelo 400D, objectiva EF-S 18-55. A exposição foi de 30s, f/5.6, ISO 800 e distância focal da lente de 18mm (grande angular). Quanto aos recordes: i) participantes – sete! Finalmente ultrapassamos a barreira dos cinco; ii) estreantes – dois! Nunca tinha acontecido juntarem-se a nós duas caras novas de uma vez; que sejam cada vez mais! Os estreantes foram o Sandro e o Hildegardo, que se juntaram ao Pedro, Laurindo, Ilídio, Elder e Adrian, nesta noite; iii) número de metros percorridos a pé antes (e depois) de jantar: desta vez fomos a pé até à pizzaria do costume; uns 15 minutos para cada lado; isto explica o último recorde: iv) a hora de saída do restaurante (quase fomos expulsos) – já passava das 23h.
Conversamos sobre o tema da noite “O futuro do Sistema Solar”. Como expliquei logo no início, se calhar o título foi publicidade enganosa, pois, de facto, o tema seria mais o futuro do Sol (e suas implicações para a Terra) e de outras estrelas com sistemas planetários.
O “trabalho de casa” que fiz envolveu a pesquisa de artigos com referee no NASA ADS. Procurei nos “abstracts” as palavras “red”, “giant” e “Sun” com operador lógico AND, pelo que só os que tivessem as três é que apareceriam. A gama de anos foi 2005-2008. Apareceram 286 artigos, vários desses publicados em conferências (e não em jornais com referee). Examinei o título de todos e olhei para os sumários dos mais promissores antes de os organizar para os poder espalhar pela “audiência”.
O primeiro artigo discutido foi, precisamente, apresentado numa conferência recente (Niedzielski & Wolszxzan 2007). Nele apresentam-se os primeiros resultados de uma procura de planetas em torno de gigantes vermelhas com o Hobby-Eberly Telescope de 9.2m (Texas, EUA). Em mais pormenor, um outro artigo apresentado na mesma conferência pela mesma equipe (Nowak & Niedzielski 2007), debruça-se sobre o despiste de falso alarmes em estrelas gigantes, devido à rotação de manchas estelares, entre outros fenómenos, que “parecem” planetas. Mencionam, ainda, o ponto de situação de 10 planetas já terem sido descobertos em torno de gigantes (um deles em torno da estrela Pollux, um dos “Gémeos” da constelação com este nome – e.g. Liu & Airapetian 2008). Mas o primeiro artigo discutido a fundo no jantar foi o que saiu em revista internacional com referee (Niedzielski et al. 2007), também da mesma equipe, onde se menciona a descoberta de um planeta de massa mínima 4.6 massas de Júpiter, em torno de uma gigante K0 de 2.3 massas solares (e foi este o tal décimo planeta descoberto em torno de gigantes). É relevante que a sua órbita seja pouco excêntrica (e=017) e a 1.3 Unidades Astronómicas – UA (semi-eixo maior) - da gigante. Quase como a Terra em torno do Sol, nestas duas últimas quantidades. Porquê virar agora o estudo para gigantes? Porque já há dez anos que se procuram planetas em torno de estrelas como o Sol e está na hora de procurar em outros tipos, de forma a melhorar a nossa compreensão da formação de Sistemas Planetários em geral. Aliás, já se procuram também planetas em torno de anãs brancas (muito mais difíceis – e.g. Kepler et al. 2005 – afinal Kepler ainda está vivo?! mais recentemente, fazem-se procuras de imagens directas de planetas em torno de anãs brancas, para já sem qualquer sucesso – Burleigh et al. 2006) e já se conhecem casos de planetas em torno de pulsares/estrelas de neutrões (e.g. Thorsett & Dewey 1993) – que foram os primeiros descobertos para além do Sistema Solar! Ora, a procura de Niedzielski et al. (2007) incidirá sobre mais de 900 gigantes pelo que se conta encontrar entre 50 e 100 planetas, se a percentagem em gigantes for semelhante à de estrelas como o Sol (~7%). Ainda a propósito de anãs brancas, surgiu, entre nós, a dúvida se existiria alguma visível a olho nú. Em trabalho de casa posterior e consultando um dos recentes catálogos de anãs brancas (McCook et al. 2006) é categórico que não, mas não se fica longe! A mais brilhante é WD0642-166, com uma grandeza visual de cerca de 8.3 magnitudes! Assim, juntei um conjunto de cinco até grandeza 11 para fazermos exposições com CCD e observarmos numa próxima Sexta Astronómica. Há uma (WD0736-421) que será visível sempre baixa (20º de altura), na melhor das hipóteses. Mas porque não tentar? E até podemos apanhar algumas nebulosas planetárias na zona, com exposições longas (e se couberem no campo da CCD – podemos usar mosaicos mais uma vez…).
Uma outra equipe está a estudar uma amostra de 115 gigantes vermelhas massivas (massas 1.5-4 vezes a solar). Já anunciou a descoberta de um planeta de massa mínima 10.6 vezes a massa de Júpiter em torno de uma gigante com 2.4 massas solares (Lovis & Mayor 2007).
Entramos, depois, noutro tipo de divagação: pelo reino da sobrevivência de anãs castanhas (e planetas) ao serem engolidas por gigantes vermelhas. No fundo, aquilo que poderá acontecer à Terra quando o Sol se transformar em tal gigante daqui a 5 mil milhões de anos. Maxted et al. (2006) publicaram na Nature um artigo em que demonstram que tal sobrevivência é possível, pois descobriram uma anã castanha tipo T5 (com cerca de 8 massas de Júpiter – será um exoplaneta? não parece, mas a massa está abaixo do valor mínimo teórico para anãs castanhas – 13 massas de Júpiter) em torno de uma anã branca (que é o produto final de uma gigante vermelha). Ainda um outro exemplo de uma estrela “pós-gigante” (mas ainda não anã branca) foi descoberta com um planeta em torno de si (Silvotti et al. 2007). Este tem massa mínima de 3.2 Júpiteres e orbita a cerca de 1.7 UA da estrela. O raio da estrela quando na fase de gigante poderá ter chegado às 0.7 UA, ao mesmo tempo que o planeta teria uma distância menor (1 UA) – deu-se a “típica” migração planetária para o exterior, conforme a gigante se ia formando (a estrela inicial crescia de tamanho). Assim, planetas a menos de 2 UA de gigantes sobrevivem (ou podem sobreviver). A questão que se mantém é se a Terra, quando/se passar pela mesma situação sobreviverá.
Para concluir a longa discussão no jantar, entramos por temas mais exotéricos. Por exemplo, a resposta das atmosferas de “Júpiteres” que giram em torno de gigantes: simulações hidrodinâmicas quando a 1 UA da estrela (Liu & Airapetian 2008). Ainda, a evolução da Zona Habitável em torno de gigantes vermelhas, à medida que estas passam da sequência principal a gigante, a estrela pós-gigante e a anã branca (e.g. Lopez et al. 2006). A questão é que a região onde poderão existir planetas com vida pode ser bem diferente daquela definida para estrelas como o Sol (a cerca de 1 UA). Até no que respeita ao próprio futuro da Terra, este é incerto até compreendermos melhor como evolui esta Zona Habitável para a estrela gigante “típica”. É que a Zona Habitável aumenta a sua distância à medida que acontece a evolução para estrela gigante (Lopez et al. 2005). Pode chegar a 2 UA e ainda mais, mesmo até 9 UA. Assim, devem-se procurar planetas até essas longínquas distâncias das estrelas hospedeiras, mantendo a expectativa de encontrar vida por aí. Tal tem sido um pouco descurado até agora (estando todos “obcecados” pelas 1-2 UA, em semelhança com a Terra).
Claramente era uma noite para continuar recordes e sucesso nas observações. Assim, o céu estava limpo e não perdemos tempo a colocar os nossos telescópios no terraço. Os do Grupo de Astronomia (Meade 12”, Mizar 4.5”, ASDoT 8”) e ainda o do Hildegardo (TS1400150 de 6”) – quatro telescópios constituíram o recorde número 5! Uma mini-Astrofesta! Quatro pode-se considerar um número adequado, dados os sete astrónomos presentes. E, já agora, como o Sandro levou uma máquina digital SLR com tripé, podemos dizer que também batemos o recorde de detectores electrónicos (dois, com a nossa CCD) – número 6. Estamos a excluir o olho humano, senão teríamos 16 detectores…
Confirmamos a qualidade superior do ASDoT. Ainda não foi desta que acoplamos uma CCD ao mesmo, para comparar ainda melhor com o nosso MEADE (vamos ter de fazer isto um dia destes!), mas a olho é muito comparável. Pusemos em serviço o telescópio do Hildegardo, que agora pode passar as noites (limpas) todas em branco entretido com este fantástico brinquedo.
Quanto à (extensa) lista de observações previstas, devido ao adiantado da hora (já meia-noite) alguns objectos que se tencionavam observar já se tinham posto ou estavam muito baixos. Mas ainda tivemos a oportunidade de trazer dois novos objectos para a nossa galeria, que está a crescer rapidamente. Este acrescento corresponde a mais que duas imagens pois cada uma delas teve um mínimo de duas exposições de CCD que foram combinadas, desde as duas de Saturno (Figura 2) ao difícil mosaico de exposições para apanhar o enxame aberto M67 (NGC2682) – sete exposições, sem contar com as duas redundantes (recorde 7!) – Figura 3. Voltando a Saturno, uma redução adequada dos dados pode encontrar ainda outros dois satélites: Enceladus e Mimas, de grandezas aparentes 11.5 e 12.7, respectivamente. Estão muito perto dos anéis de Saturno, para o lado dos três satélites mais fracos que foram detectados. Finalmente (Figura 4), alguém consegue provar que é o asteróide 6Hebe o objecto mais brilhante desta imagem? Se conseguirem passa a ser oficial (mas é preciso designar quais são as estrelas que se vêem). Senão fica para a próxima. O esboço da Figura 5 também não ajudou muito na identificação. A ver se treinamos melhor esta parte, senão Plutão só se detecta mesmo com a táctica do “movimento” ao fim de uns dias.
Ainda houve tempo para observar Marte e um ou outro objecto, antes do cansaço vencer alguns de nós. Dispersámos pelas duas da manhã.
Figura 2 - Imagem (sem qualquer processamento) tirada com a nossa CCD SBIG acoplada ao MEADE LX200 12”. É uma composição de uma imagem de Saturno tirada com o filtro U-Johnson, 0.5 segundo de exposição e outra, tirada 5 minutos antes, sem qualquer filtro e de 0.12 segundos de exposição (Saturno satura, mas quatro satélites vêem-se bem). Indicam-se as magnitudes aparentes de todos os objectos visíveis. Saturno é 9.6 magnitudes (ou 7000 vezes) mais brilhante que Dione!
Figura 3 - Mosaico (sem qualquer processamento e alinhado manualmente em powerpoint) tirado com a nossa CCD SBIG acoplada ao MEADE LX200 12”. É uma composição de sete exposições de 1 segundo cada. Duas outras não foram utilizadas por redundância (mas serão relevantes para uma apropriada redução destes dados). Este enxame é dado como de grandeza visual aparente 6.9 e tamanho 16.0’ (StarCalc).
Figura 4 - Mosaico (sem qualquer processamento e alinhado manualmente em powerpoint) tirado com a nossa CCD SBIG acoplada ao MEADE LX200 12”. É uma composição de três exposições de 10 segundos cada. Talvez o objecto mais brilhante seja 6Hebe (como era nossa intenção) mas não é fácil prová-lo.
Figura 5 – O esboço feito do que se via com a ocular de 40mm (30’ de diâmetro) pelo MEADE, quando apontamos para as coordenadas de 6Hebe. Qual é destes? Alguma relação com a Figura 4? Se não se conseguirem responder a estas perguntas, 6Hebe não entra ainda na nossa galeria… Pedro Augusto
Referências:
Burleigh et al. (2006), IAU Symp. 232, p.344.
Kepler et al. (2005), A&A, vol.442, p.629.
Liu & Airapetian (2008), AAS Meeting #211, proceedings, in press.
Lopez et al. (2005), ApJ, vol.627, p.974.
Lopez et al. (2006), IAU Colloq. 200, p.93.
Lovis & Mayor (2007), A&A, vol.472, p.657.
Maxted et al. (2006), Nature, vol.442, p.543.
McCook et al. (2006), Web update de catálogo publicado em McCook & Sion (1999),
ApJS, vol.121, p.1 [http://www.astronomy.villanova.edu/WDCatalog/index.html]
Niedzielski & Wolszxzan (2007), ASP Conference Series 2007, arXiv 0712.2284.
Niedzielski et al. (2007), ApJ, vol.669, p.1354.
Nowak & Niedzielski (2007), ASP Conference Series 2007, arXiv 0712.2285.
Silvotti et al. (2007), Nature, vol.449, p.189.
Thorsett & Dewey (1993), ApJ, vol.419, p.L65.
http://www.globe.gov/GaN/index.html (Globe at Night)
http://adsabs.harvard.edu (NASA ADS)
http://www.astronomy.villanova.edu/WDCatalog/index.html (Catálogo de anãs brancas)
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