UNIVERSIDADE DA MADEIRA

GRUPO DE ASTRONOMIA


Sextas Astrónomicas


Sexta-feira Astronómica - 7

Data: 01-06-2007

Assunto: Estrelas Hipergigantes

A sétima Sexta Astronómica decorreu na noite de 01 para 02 de Junho de 2007. O encontro do pessoal ocorreu como de costume por volta das 20h no pátio da UMa junto ao bar dos alunos. Quando eu (Laurindo) cheguei, por volta das 20h05 já lá estavam o Elder e o Ilídio. Entretanto o Pedro ligou a dizer que ia directo para a pizzaria do costume. O céu estava praticamente limpo depois de um dia bastante quente.

Como tema proposto para discussão tinhamos Estrelas Hipergigantes. Actualmente são conhecidas apenas algumas estrelas deste tipo (cerca de sete na Nossa Galáxia e algumas outras nas Nuvens de Magalhães). As estrelas hipergigantes pertencem à classe 0. Embora sejam, em tamanho, superiores às supergigantes, a respectiva massa pode ser inferior à destas. Estrelas com massas superiores a aproximadamente 120 massas solares desafiam as teorias correntes de formação e evolução estelar. Este facto por si só revela o grande interesse que há no estudo deste tipo de estrelas.

Depois de uma breve discussão do tema em geral, foi apresentada documentação acerca de algumas das estrelas hipergigantes conhecidas:

VY Canis Majoris – com um raio estimado entre 1800 e 2100 raios solares é no momento a maior estrela conhecida. Trata-se de uma hipergigante vermelha. Estudos recentes da sua luminosidade revelaram que emite muito mais no IV do que no visível (Humphreys 2006, astro-ph/0610433) sendo também vista como bem maior naquele comprimento de onda.

Rho Cas
é uma hipergigante amarela (classe espectral G2) visível a olho nu (ma=4.52). Ao analisar a documentação disponível verificamos que a distância não é consensual pois tinhamos valores desde os 8000 aos 12000 anos-luz. Isso acontece porque o erro associado à sua paralaxe é deveras grande (para uma paralaxe de 0.28 mas temos um erro de 0.58 mas!). Embora actualmente a sua magnitude aparente seja de 4.5 esta estrela é uma variável semi-regular com erupções em intervalos da ordem dos 50 anos (a última ocorreu em 2000-2001).

R126 e R66 são duas hipergigantes azuis recentemente observadas pelo telescópio espacial Spitzer na Grande Nuvem de Magalhães. Estas estrelas, cujo raio é da ordem do raio da órbita de Marte, estão rodeadas por um anel de poeiras (Kastner et al. 2006, Astrophysical Journal, vol. 638, p. L29).

Figura 1 : Imagem artistítica de uma estrela hipergigante rodeada por um anel de poeiras (como R126 ou R66) e comparação das suas dimensões com as do nosso Sistema Solar (NASA/JPL-Caltech/SST).

Westerlund 1 é um enxame estelar especialmente rico em estrelas jovens de grande massa. Devido à grande extinção interestelar na sua direcção apenas foi detectado recentemente. Apenas as suas estrelas mais luminosas podem ser observadas. Entre elas temos hipergigantes azuis, amarelas e estrelas de Wolf-Rayet. Sendo um enxame denso, com estrelas de grande massa, seria de esperar a formação de um buraco negro de massa intermédia (>100 massas solares) em resultado das inevitáveis colisões entre estrelas. Observações com o Chandra, no entanto, revelaram não um buraco negro mas sim uma estrela de neutrões: CXO J164710.2-455216 com pulsações de período 10.6s.

LBV 1806-20 – é uma hipergigante azul situada na direcção do centro da Galáxia a uma distância provavelmente superior a 30000 anos-luz. Pensa-se ser a estrela mais luminosa conhecida (chegando, provavelmente, aos 40 milhões de vezes a luminosidade do Sol). A sua grandeza absoluta (de -15) é mais típica de enxames globulares (que contêm milhões de estrelas). A imensa extinção estelar da sua radiação visível está estimada em cerca de 30 magnitudes! Com uma massa estimada entre 130 e 200 massas solares esta estrela claramente ultrapassa o limite teórico para a formação estelar, o qual se situa nas 120 massas solares. No entanto, alguns estudos apontam para a possibilidade de esta ser um sistema binário ou menso um enxame de estrelas. Neste caso não teríamos violação dos modelos teóricos...

“Pistol Star” – é uma hipergigante azul situada na direcção do centro da Galáxia. Possivelmente terá 150 vezes a massa do Sol sendo também um problema para modelos de formação estelar.

Findo o Jantar cerca das 22h30 verificamos que o céu já não estava limpo. Antes, pelo contrário, estava bem coberto por uma nebulosidade aparentemente baixa. Assim fomos para a UMa fazer trabalho de gabinete. Procuramos então responder a algumas das questões surgidas durante o jantar.

Procuramos saber mais sobre a Pistol Star. Nomeadamente queríamos saber a razão do nome. Aparentemente o seu nome é devido à Nebulosa do mesmo nome no centro da qual se situa.Essa nebulosa foi originada pela própria estrela em virtude das suas grandes ejecções de massa. Verificamos que nem a estrela nem a nebulosa estão nas bases de dados de programas como o Skymap e o Stelarium.

Ainda, quisemos saber se Westerlund 1 ficaria no plano da Galáxia, uma vez que apresenta um valor elevado de extinção. De facto, não só fica no plano da galáxia como até bem perto do seu centro (a cerca de 20 graus).

Outra questão prendia-se com o período da ordem dos 10.6s da CXO J164710.2-455216, no Westerlund 1. Achamos este valor excessivamente longo para um pulsar. De facto, estas pulsações são nos raios X, o que torna as coisas um pouco diferentes. Após largos minutos de pesquisa na Internet e em vários artigos relacionados sobre bases de dados de pulsares, preferimos usar a de Parkes que, em quatro partes, totaliza 600 pulsares, a maioria dos pulsares conhecidos. Vemos nesta que o pulsar de período mais longo é o 0843-5022, com 6.7 segundos. Há vários “perto” já que os valores de período de pulsares seguem um contínuo desde os milisegundos, embora com uma nítida tendência para valores inferiores a um segundo. O que se passa, então?

Aprofundamos a nossa pesquisa em vários artigos da área e chegamos à conclusão que o período dos “rádio pulsares” é diferente de muitos “X-ray pulsares” com a tendência destes últimos em terem valores mais altos. E também bem mais incertos pois, muitas vezes, a fronteira entre “periódico” e “quasi-periódico” é muito estreita… Os períodos em raios X podem ser de horas. Por exemplo, 2S0114+65 é um binário de raios X (estrela de neutrões mais gigante ou estrela normal) com um “período” de 2.8 horas (Finley et al. 1994, ApJ, 429, 356). Mas note-se que, agora, não há a certeza absoluta do período observado corresponder exactamente à rotação da estrela de neutrões (pulsar). Um catálogo de binários X-ray com gigantes está publicado em Liu et al. (2000), A&ASup, 147, 25. O período típico é acima dos 10 segundos. É fácil encontrar períodos de alguns minutos. O recordista acima descrito foge um pouco à norma, pelo exagero…

O que acontece é que os pulsares de raios X terão campos magnéticos muito intensos (> 3 × 1014 G) que travam a sua rotação. Só se conhecem uns 20 casos deste tipo de pulsares, todos com rotação entre 3 e 30 segundos. Chamam-se-lhes magnetares (Muno et al. 2006, ApJ, 636, L41).

Ainda sobre pulsares, durante o jantar surgiu a questão dos movimentos próprios de muitas destas estrelas e a sua comparação com as centenas de km/s de muitos pulsares. Surgiu a curiosidade de encontrar o valor recordista entre estes. Assim, alguns dos catálogos utilizados para a pesquisa anterior tinham valores de velocidade e conseguimos descobrir que o recordista (B1133+16) se desloca a cerca de 641 km/s pela Galáxia (Hobbs et al. 2005, MNRAS, 360, 974).

Cerca das 02h00 verificamos que o céu estava praticamente limpo. Resolvemos então montar o Meade LX200 com o objectivo de tentar fazer algumas exposições. No plano inicial para esta noite contávamos observar Plutão, Vesta e Juno. Quando chegamos com o material ao terraço a nebulosidade estava de volta deixando apenas ligeiras abertas. Duas dessas abertas (uma em torno de Arcturus e outra em torno de Vega) vieram mesmo a calhar para alinhar o telescópio.

Gradualmente a céu foi ficando mais limpo. Tivemos assim a oportunidade de fazer algumas exposições de Júpiter (Figura 2) com os seus satélites, da Nebulosa do Anel M57 (Figura 3), do sistema binário Albireo (Figura 4) e da hipergigante rho-cassiopeia (Figura 5), tema da noite.

Figura 2 : Imagem em bruto de Júpiter e satélites, apenas alterando o contraste para se verem melhor os satélites de Júpiter. O quarto galileano (Calisto) estaria à direita, fora do campo da CCD (Grupo de Astronomia da Universidade da Madeira).

 

Figura 3 : Imagem em bruto de M57 (nebulosa do anel) com algumas estrelas de Lyra  com 10 seg . de exposição (Grupo de Astronomia da Universidade da Madeira).

Figura 4 : Imagem em bruto do famoso binário de estrelas Albireo - 1 segundo de exposição com o filtro Halpha (Grupo de Astronomia da Universidade da Madeira).

Figura 5 : Imagem em bruto da hipergigante rho-Cas (Grupo de Astronomia da Universidade da Madeira).

Quanto aos objectos inicialmente propostos para esta noite observamos apenas Vesta (Figura 6). Juno já estava praticamente abaixo do horizonte quando começamos as observações (no plano inicial contavamos observar Juno logo no início da noite...). Quanto a Plutão ainda chegamos a apontar mas não o conseguimos ver pois a Lua estava praticamente cheia implicando um brilho do céu nocturno acima do possível para ver Plutão.

Figura 6 : Imagem em bruto de Vesta - 1 seg. em Halpha (Grupo de Astronomia da Universidade da Madeira).


Para terminar a noite voltamos a observar Júpiter com o intuito de obter uma imagem com os satélites em posições diferentes das registadas em imagens anteriores. Entretanto estas últimas exposições foram certamente afectadas por uma nebulosidade inesperada: a nuvem de fumo resultante de um incêndio ocorrido num edifício centenário no centro do Funchal (clube Sports Madeira). Por volta das 04h30 demos por encerrados os trabalhos desta sétima Sexta Astronómica que para além de ter sido a mais longa foi provavelmente uma das mais proveitosas.

Laurindo Sobrinho
Pedro Augusto


Referências:

Humphreys 2006, astro-ph/0610433
Kastner et al. 2006, ApJ, vol. 638, p. L29
Finley et al. 1994, ApJ, 429, 356
Liu et al. 2000, A&ASup, 147, 25
Muno et al. 2006, ApJ, 636, L41
Hobbs et al. 2005, MNRAS, 360, 974

http://en.wikipedia.org/wiki/Hypergiants

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