UNIVERSIDADE DA MADEIRA

GRUPO DE ASTRONOMIA


Sextas Astrónomicas


Sexta-feira Astronómica - 9

Data: 24-11-2007

Assunto: As estrelas de Wolf-Rayet e a sua classificação espectral

A 9ª Sexta-astronómica realizou-se no dia 24 de Novembro, último Sábado do mês. Desta vez estiveram três elementos presentes, eu (Ilídio), o Dr. Laurindo e o Adrian. O encontro deu-se como sempre por volta das 20h à entrada das instalações da UMa na Penteada, e acabamos, como já vem sendo hábito, por rumar à pizzaria do costume. Chegamos à pizzaria por volta das 20h 15m, e como também já é de costume, havia jogo de futebol transmitido pela TV. A ideia não é conjugar futebol com astronomia, mas com a quantidade de jogos de futebol que são transmitidos hoje em dia, certamente que não conseguiríamos um dia sem futebol para realizar as nossas Sextas-astronómicas. Eu e o Laurindo lá “atacamos” as pizas, enquanto o Adrian se ficou por uma sopinha de tomate, pois já vinha jantado de casa. Ficou-se a saber que a sopa de tomate não é prato que faça parte da gastronomia romena. Adiante.

Enquanto esperávamos pelos pratos, introduzi o tema. Desta vez falamos de estrelas de Wolf-Rayet (estrelas WR). A questão tinha surgido quando uns dias antes o nosso colega Elder estava a consultar um livro de astronomia na biblioteca da UMa, e ficou surpreendido com a classificação espectral destas estrelas. Embora o Elder tenha acabado por não poder estar presente no jantar, decidiu-se manter o tema. As estrelas WR são estrelas massivas (mais de 20 massas solares), e estão a perder rapidamente a sua massa devido a um forte vento estelar com velocidades da ordem de 2000 km/s. Como termo de comparação, enquanto o nosso Sol perde anualmente 10^-14% da sua massa, uma estrela WR perde 10^-5 massas solares por ano. Estas estrelas são também muito quentes, com temperaturas superficiais numa gama de 25000 K a 50000 K (e.g. http://cfa-www.harvard.edu/~pberlind/atlas/htmls/wrstars.html)

Em 1867, Charles Wolf e Georges Rayet, descobriram na constelação de Cisne, três estrelas que apresentavam um espectro com bandas de emissão sobrepostas num espectro contínuo fraco. O espectro apresentado pela maioria das estrelas é caracterizado por linhas de absorção como resultado da presença de elementos absorvendo energia em frequências específicas. O número de estrelas que apresentam linhas de emissão no seu espectro é baixo, de maneira que estes objectos são bastante raros. A natureza das bandas de emissão permaneceu um mistério durante várias décadas. Em 1912 A. Fowler demonstrou que resultavam da presença de hélio, um gás que tinha sido descoberto em 1868. Em 1929, a largura das bandas de emissão foi atribuída ao efeito de Doppler, deste modo o gás que circunda a estrela estaria a expandir-se com velocidades da ordem de 300 a 2400 km/s (Beals 1929). A conclusão foi que uma estrela WR está constantemente a ejectar gás para o espaço, produzindo um envelope de gás em expansão, sendo a pressão de radiação a força responsável pela ejecção desse gás a tão altas velocidades. Para além do hélio, foram também identificadas linhas de emissão de carbono, oxigénio e nitrogénio no espectro de estrelas WR.

Figura 1 :  Nebulosa M1-67 envolvendo a estrela WR 124 (HST) . Muitas das estrelas WR estão rodeadas por uma nebulosa provavelmente criada pelo material ejectado pela própria estrela. Cerca de 10% das estrelas WR são estrelas centrais de nebulosas planetárias (e.g. Crowther 2007).

Como classificar então as estrelas WR? Aquilo que chamou a atenção do Elder na classificação destas estrelas foi o facto de não seguirem a classificação usual das outras estrelas. De facto, os espectros pouco comuns deste tipo de estrelas raras não encaixam na classificação bidimensional de Morgan baseada em  Classes de Luminosidade (Ia, Ib, II, III, IV, V, Sd, wd) e  Tipos Espectrais (O, B, A, F, G, K, M) contrariamente ao que acontece com a grande maioria das estrelas (e.g. Struve 1959, Beals 1933).

As estrelas WR são classificadas em 3 classes, WN (em que predomina a emissão de nitrogénio e também algum carbono), WC (em que predomina a emissão de carbono e onde não há emissão de nitrogénio) e ainda as bastante raras WO (onde predomina a emissão de oxigénio em relação à emissão de carbono: C/O < 1). Dentro destes tipos, as classes podem ainda ser divididas em subclasses consoante a presença de elementos nos seus diferentes estados de ionização como sepode verificar na tabela 1 onde se indicam os critérios de classificação propostos por Smith (1968). Por alturas do jantar, achamos no entanto estranho que a subdivisão também não se fizesse da maneira usual de 0 a 9.

Tabela 1: Critérios para a classificação espectral de estrelas WR (Smith 1968).

WN Type

Nitrogen Line Criteria

Other Criteria

WN 9

NIII present; NIV weak or absent

lower Balmer series; HeI

WN 8

NIII >> NIV

NIII 4640Å < < HeI ; 4686Å>

WN 7

NIII > NIV

NIII 4640Å < <>

WN 6

NIII = NIV; NV present but weak

 

WN 5

NIII = NIV = NV

 

WN 4.5

NIV > NV; NIII weak or absent

 

WN 4

NIV = NV; NIII weak or absent

 

WN 3

NIV << < or weak NIII>

 

WN 2

NV weak or absent

Strong HeII

WC Type

Carbon Line Criteria

Carbon/Oxygen Criteria

Other Criteria

WC 9

CIII > CIV

OV weak or absent

CII present

WC 8.5

CIII > CIV

OV weak or absent

CII not present

WC 8

CIII = CIV

OV weak or absent

 

WC 7

CIII < <CIV< TD>

CIII >> OV

 

WC 6

CIII << <CIV< TD>

CIII > OV

 

WC 5

CIII << <CIV< TD>

CIII < <OV< TD>

 

WC 4

CIII <<< <CIV< TD>

OV moderate

 

Como factos de relevância, discutiu-se ainda no jantar a possibilidade de se identificarem estrelas WR em galáxias próximas devido à forte intensidade das linhas de emissão. De facto estão identificadas cerca de 100 estrelas WR na Grande Nuvem de Magalhães e 12 na Pequena Nuvem de Magalhães  (e.g. Crowther 2007). Na nossa galáxia são conhecidas cerca de 230 estrelas WR.  Estão também identificadas estrelas WR (ou candidatos a estrelas WR) noutras galáxias do Grupo Local, entre as quais M33, M31 e IC10 (e.g. Massey & Johnson 1998).

Terminou-se o jantar analisando um catálogo de estrelas WR visíveis no hemisfério norte disponível em http://cfa-www.harvard.edu/~pberlind/atlas/htmls/wrcat.html e discutindo quais dos objectos presentes no catálogo poderiam ser observados e registados com o nosso equipamentos em futuras Sextas-astronómicas. No referido catálogo constam também estrelas centrais de nebulosas planetárias. Na Tabela 2  indicamos as 11 WR mais brilhantes  visíveis do hemisfério norte (os valores de A.R. são para a época 2000):

Tabela 2: Estrelas WR mais brilhantes visíveis do hemisfério norte.
Nome Constelação A.R. Dec. Tipo espectral mag. aparente Comentários
HD50896 Canis Major 06:54:13 -23:55:42 WN5 6  
HD190918S Cygnus 20:05:57 35:47:15 WN4 + OIab 7  
HD192163 Cygnus 20:12:06 38:21:17 WN6 7 Associada a NGC 6888
HD193237 Cygnus 20:17:47 38:01:58 B2pe 7 PCyg
HD193793 Cygnus 20:20:28 43:51:16 WC7+ 7  
HD165763 Sagittarius 18:08:28 -21:15:11 WC5 8  
HD191765 Cygnus 20:10:14 36:10:36 WN6 8  
HD192103 Cygnus 20:11:53 36:11:51 WC8 8  
HD192641 Cygnus 20:14:31 36:39:39 WC7 8  
HD193077 Cygnus 20:17:00 37:25:25 WN5+ 8  
HD193576 Cygnus 20:19:32 38:43:54 WN5 + O6V 8 V444Cyg

Findo o jantar, pelas 22h dirigimo-nos à Universidade com o intuito de procedermos às observações que tínhamos programado (Holmes, Marte, M31,…), mas desta vez o tempo não quis ajudar. Nuvens e alguns chuviscos fizeram então com que nos concentrasse-mos em trabalho de pesquisa acerca das dúvidas que tinham ficado do jantar acerca de na classificação das estrelas WR não termos uma subdivisão de 0 a 9, ou em que posição do diagrama de Hertzsprung-Russell se situariam as estrelas WR?

Após a consulta de alguns artigos verificamos que a tabela 1 com os critérios de classificação de estrelas WR foi alargada nos últimos anos à medida que se foram estudando melhor as estrelas WR conhecidas e também devida à descoberta de outras par as quais a classificação da tabela 1 era insuficiente. Em particular, a classe N foi alargada com a inclusão dos subtipos WN10 e WN11. Juntou-se a classe WO a qual foi dividida em 4 subtipos (e.g. Crowther 2007).  Acabamos por construir uma tabela actualizada com os critérios de classificação espectral de estrelas de WR.

Relativamente à localização das estrelas WR no diagrama de Hertzsprung-Russell verificamos que as mesmas, por serem extremamente quentes e luminosas, ficam no canto superior esquerdo do diagrama. A região ocupada tem a forma de um funil com a parte mais larga ocupada essencialmente por estrelas WN. Na parte inferior do funil ficam as WC e WO (ver Figura 2). Constatamos que são muito poucos os diagramas que incluem as WR. De uma forma geral os diagramas de Hertzsprung-Russell ficam-se pelas estrelas de classe espectral O. 

Figura 2 :  Secção do diagrama HR ocupada pelas estrelas WR.  Esta secção cuja forma faz lembrar um funil fica à esquerda da região ocupada pelas supergigantes azuis (Moffat et al. 1989).

Ilídio Andrade
Laurindo Sobrinho


Referências:

  1. Beals C. S., 1929, On the nature of Wolf-Rayet emission, MNRAS, 90, 202, ADS
  2. Beals C. S., 1933, Classification and temperature of Wolf-Rayet stars, The Observatory 56, 196, ADS
  3. Crowther P. A., 2007,  Physical properties of Wolf-Rayet stars, ARA&A, 45, 177, astro-ph/0610356
  4. Fowler A., 1912, Hydrogen, Spectrum of, Observations of the principal and other series of lines in the, MNRAS, 73, 62, ADS
  5. Massey P. & Johnson O., 1998, Evolved Massive Stars in the Local Group. II. A New Survey for Wolf-Rayet Stars in M33 and Its Implications for Massive Star Evolution: Evidence of the ``Conti Scenario'' in Action, ApJ, 505, 793, ADS
  6. Moffat A. F. J. et al., 1989, Observational Connections Between LBVs and Other Stars, with Emphasis on Wolf-Rayet Stars. In K. Davidson et al. (eds).  1989: Physics of Luminous Blue Variables. Kluwer Academic Publishers, pp. 229-237.
  7. Smith L. F., 1968, A revised spectral classification system and a new catalogue for galactic Wolf-Rayet stars,  MNRAS, 138, 109, ADS
  8. Struve O., 1959, Elementary Astronomy, Oxford University Press.
  9. http://cfa-www.harvard.edu/~pberlind/atlas/htmls/wrstars.html
  10. http://cfa-www.harvard.edu/~pberlind/atlas/htmls/wrcat.html
  11. http://en.wikipedia.org/wiki/Wolf-Rayet_star

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