UNIVERSIDADE DA MADEIRA

GRUPO DE ASTRONOMIA


Sextas Astrónomicas


Sexta-feira Astronómica - 11

Data: 26-01-2008

Assunto: Explosões de Raios Gama (GRB)

A Sexta Astronómica número 11 começou no Sábado dia 26 de Janeiro de 2008, como de costume com o encontro à porta da UMa pelas 20h. Desta vez estavam presentes apenas o mínimo possível (três): eu, o Laurindo e o Ilídio. Lá fomos para o restaurante/pizzaria do costume para conversar sobre o tema “Gamma-ray bursts” (GRB) pois, “a pedido de várias famílias” este é um assunto que a maioria desconhece, aparentemente. Assim, o objectivo era dar uma pequena introdução sobre o tema e conversar sobre GRB. Um aviso: não há figuras neste relatório (nem bonitas nem feias)! Assim, como não as houve no jantar (mas havia comida e futebol para entreter).

Por coincidência, chegou às mãos do Pedro um excelente artigo de review de GRB na mesma semana que antecipou a Sexta Astronómica: um bom ponto de partida para o conhecimento deste fenómeno. Boffin (2007) sumaria bem este assunto.

O primeiro contacto com GRB foi nos anos 60 durante a Guerra Fria, quando quer americanos quer soviéticos enviaram satélites para detectar explosões em raios gama na atmosfera da Terra, evidentes assinaturas da violação do tratado nuclear… Esses satélites detectaram tais explosões, realmente, mas vindas do espaço. Estava aberta a corrida científica para a explicação deste novo fenómeno.

A primeira questão óbvia a responder era quanto à localização do fenómeno: i) no nosso Sistema Solar? ii) Na Nossa Galáxia (a) no disco ou b) no halo?)? iii) No Universo longínquo? Graças ao Burst And Transient Source Experiment (BATSE), conduzida por um conjunto de detectores especiais a bordo do Compton Gamma-Ray Observatory (CGRO) lançado pela NASA em 1991, foi possível eliminar as possibilidades i) e ii)a). Isto porque, a concretizarem-se estas, a distribuição no céu dos GRB deveria ser achatada (segundo os respectivos planos da eclíptica e da galáxia). No entanto, o BATSE, à custa de um incrível número de eventos detectados (muitas centenas – e.g. Fishman & Meegan 1995) conseguiu, sem sombra de dúvida, mostrar que a distribuição global é uniforme por todo o céu: a origem dos eventos só poderia ser num “objecto” esférico distante: ou no halo da Nossa Galáxia (dominado por matéria escura – esta conversa fica para outra Sexta Astronómica?), ou em galáxias distantes.

A questão só pendeu claramente para a localização iii) (Universo longínquo = galáxias distantes) quando o primeiro GRB localizado o foi numa galáxia com desvio-para-o-vermelho (redshift z) de 0.7 (basicamente a sua radiação foi enviada na nossa direcção quando o Universo tinha metade da idade actual, ou há 7 mil milhões de anos). Desde então já se localizaram cerca de 150 GRB e já ninguém duvida da sua origem Extragaláctica (temos z ~ 0.0085 – 6.29; desde o Universo local até aos seus confins – o mais distante enviou a sua radiação para nós quando o Universo tinha apenas 900 milhões de anos – ver descoberta como originalmente publicada em Cusumano et al. 2007). Como se conseguiu tal localização?

O segredo para tal esteve na construção de telescópios de raios X (em satélites) que se deslocassem rápido o suficiente para encontrar algum objecto a diminuir de brilho rapidamente: os GRB têm esta característica; não são todos explosões quasi-instantâneas (<2 segundos de duração – podem ser apenas alguns mili-segundos; os chamados GRB curtos) mas podem perdurar alguns segundos a minutos (os chamados GRB longos) – Kouveliotou et al. (1993). Melhor: nos raios X, no óptico e nas ondas rádio podem durar ainda mais tempo, até horas ou dias! Pelo menos com um brilho suficiente para serem detectados a diminuir rapidamente de brilho, pois o destino final de todos os GRB é desaparecerem de todos os detectores ao fim de algum tempo (curto – segundos – ou longo – dias – conforme os casos). Assim, o primeiro telescópio de raios X que detectava raios gama em primeiro lugar e depois se virava para a fonte para a ver em raios X foi o BeppoSAX, lançado em 1996. E foi logo em 1997 que localizou com boa precisão o tal primeiro GRB com distância medida: à custa do seguimento no óptico com o Keck e o VLT. O seguidor do BeppoSAX foi o Swift (ainda funcional no espaço; inclui uma preciosa câmara de detecção no óptico – heasarc.nasa.gov/docs/swift/swiftsc.html). Em conjunto, construíram a extensa base de dados de GRB, um exemplo da qual pode ser encontrada em https://www.mpe.mpg.de/~jcg/grbgen.html (tabela) e outro em https://gcn.gsfc.nasa.gov/search.html (permite procuras, mas é mais técnica).

O ponto de situação da teoria da origem de GRB divide-os, em primeiro lugar, nos tais curtos (que também contêm fotões de mais alta energia) e longos. No caso dos primeiros, acredita-se (e.g. Troja et al. 2008) que a sua origem esteja nos estágios finais da evolução de um binário de estrelas massivas (com mais de 8 massas solares): estas acabam sempre ou numa estrela de neutrões ou num buraco negro. Os binários formados por tais “estrelas” densas estão condenados, pela Relatividade Geral (brutal perda de energia por emissão de Radiação Gravitacional), a fundirem-se num único objecto (resultando um buraco negro). Quando tal acontece emitem GRB curtos.

No caso dos GRB longos, acredita-se que surgem no final da vida de uma estrela supermassiva (30 a 40 vezes a massa do Sol) que, por isso mesmo, terá uma super-explosão em supernova (a que se chama hipernova), antes de colapsar num buraco negro.

Para complicar este cenário simples, nos últimos anos (e.g. Horvath et al. 2004) começou-se a suspeitar da existência de uma terceira classe de GRB, os “intermédios”. Mas ainda é cedo (em termos estatísticos) para a considerar como real e ainda mais cedo para começar a elaborar hipóteses para a sua formação.

Os GRB são tão intensos em emissão de energia (diz-se mesmo que, a seguir ao Big Bang, são as maiores explosões do Universo), que se acredita que algum destes terá sido responsável por algumas das extinções em massa na Terra (e.g. a que ocorreu há 450 milhões de anos). Isto porque o seu nefasto raio de influência pode chegar aos seis mil anos-luz. Emitem um feixe (jacto) de radiação relativamente fino, que concentra toda a energia (ver excelente review em Covino 2007). Basta ter o azar de ser varrido pelo mesmo.

Alguns estudos recentes (e.g. Mundell et al. 2007) sugerem que não existem campos magnéticos ordenados na origem da emissão dos jactos, o que é um pouco confuso (pois campos magnéticos ordenados são necessários para tornar os jactos tão finos quanto se tem visto em GRB). Esperemos para ver se se esclarece melhor este assunto.

Concluído o jantar e a discussão do tema, dirigimo-nos à UMa. Infelizmente, quanto à parte observacional da “Sexta”, não se pôde fazer nada do (ambicioso) plano, já que as nuvens não o permitiram. Estivemos no Laboratório de Astronomia e Instrumentação (LAI) a pesquisar páginas educacionais sobre Astronomia e também a tentar pôr a webcam a funcionar no LAI. Resolveu-se o problema do foco (aparentemente) mas terá de ser testada com os nossos telescópios para ter a certeza de que conseguimos pô-la a funcionar como deve ser. Pela 1h00 concluímos o nosso esforço e seguiu cada um o seu caminho…

Pedro Augusto

Note added in proof: Durante a escrita final do Relatório, foi detectado um GRB potencialmente visível a olho nú (se alguém estivesse a olhar naquele momento, já que durou só meio minuto visível). A explosão, no visível, chegou às 5.8 magnitudes!

 


Referências:

Boffin, H. (2007), Science in School, issue 7, p.52.
Covino, S. (2007), Science, vol.315, p.1798.
Cusumano et al. (2007), A&A, vol. 462, p.73.
Fishman & Meegan (1995), ARAA, vol.33, p.415.
Horvath et al. (2004), Balt. Astron., vol.13, p.217.
Kouveliotou et al. (1993), ApJ, vol.413, p.L101.
Mundell et al. (2007), Science, vol.315, p.1822.
Troja et al. (2008), MNRAS, vol.385, L10.

Internet:

http://www.mpe.mpg.de/~jcg/grbgen.html (base de dados de GRB - tabela)
http://gcn.gsfc.nasa.gov/search.html (idem; permite procuras)
http://heasarc.nasa.gov/docs/swift/swiftsc.html (página oficial do Swift)
http://grb.fuw.edu.pl/pi/ot/grb080319b/normal.html (explosão de GRB visível a olho nu)


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